
A casa silenciosa me traz um tédio que chega a ser virtuoso, porque de fato não há a menor vontade de fazer nada mesmo, então fica elas por elas e não culpo o tempo vazio. Remexo nas unhas e percebo que elas estão por fazer,eu não me importo, não há encontros marcados para executar a etiqueta da beleza, então deixo pra lá e penso em arrumá-las mais tarde enquanto passa Grey's Anatomy na tv a cabo, que por sinal, tenho absoluta certeza que estou vários episódios atrasada, por sua vez, também não me importo.
Escuto um barulho vindo da cozinha, meu gato está subindo na mesa novamente mas quer saber? Deixa... Bagunças podem ser arrumadas, assim como a vida.
Umas garrafas de vinho estão empilhadas no canto da sala e a taça utilizada jaz na estante. Eu poderia recolhe-los, fazer um faxina daquelas boas e ocupar minha ociosa mente. Mas decidi pela manhã que assim que meus pés tocassem o chão quando acordasse eu não faria mais nada.
Estou dormente, não me importo com o que for. Se a dona Maria bater aqui na porta e gritar que o seu José bateu as botas, sim eu seria insensível, mas sequer levantaria as sobrancelhas.
Estou bêbada? As dez da manhã? Procede.
Dormi? Não sei dizer, só sei que minha mente ficou rodopiando com imagens distorcidas de uma história velha e sem graça da minha vida.
Você foi embora e eu sofri, chorei, gritei. Mas hoje olho suas fotos e só sinto um gosto estranho da dúvida: "O que fazer?" "Para onde ir?"
Depois que você se foi, viajei pro litoral no inverno, que ironia, mas encontrei uma paixão ardente que me aqueceu por meia dúzia de dias. Ele gostava do meu cabelo e como eu cantarolava "Hey Jude". Depois do NA NA NA NA ele me beijava e dizia que o pôr do sol tinha copiado a beleza dos meus olhos. Mas isso para mim soava supérfluo. Quando acabou a semana ele pediu meu telefone e lhe entreguei alguns números errados. Pobre Dante, ele não sabia que se meu coração sequer pertence a mim como eu poderia entregar a outro? Só voltei pra casa solitária outra vez, recitando O Corvo, de Edgar Allan Poe, e disposta a entrar nas aulas de banjo.
Estou toda errada, toda torta, sem direção. Mas olhar para suas fotos ainda me faz sentir aquela sensação esquisita de quem desce uma montanha russa: um frio na barriga de entorpecer a alma.
Quando era pequena lembro de observar minha tia Rosa conversar com minha velha mãe. Ela tragava seu cigarro majestosa e movimentava as mãos com aquelas unhas escarlate e dizia sempre: "Quem vive de passado mora num velho museu eu não vivo de página passada eu vivo de capítulos novos." Aquilo nunca fez sentido para mim, mas hoje estou presa naquelas palavras da minha finada tia, que morreu com dignidade mas não largou seu bom e velho cigarro. Hoje me ocorreu que não decidi o que quero ser: uma página passada ou um capítulo novo? Estou amarrada numa mesa velha de um museu qualquer?
De qualquer forma não estou com vontade de decidir isso hoje.Sei, sei mesmo, que tenho que partir para uma nova história e a qualquer hora pode me ocorrer de fazer isso: vou recolher as sujeiras pela casa e fazer uma faxina, mudar o cabelo, trocar meus móveis e a vitrola de lugar.
E quando isso acontecer, e eu finalmente der o número de telefone certo para alguém, não é vergonha dizer que, por mais que as virgulas prossigam e novas histórias venham, sempre haverá um marca página para você. Vou abrir naquele capítulo antigo e ler nossas linhas com um sorriso de canto meio bobo.
Mas até lá abrirei mais uma cerveja, mais uma garrafa de vinho, terei mais uma viagem sem nexo, terei mais uma paixão sem sentido. Até porque a vida é minha e faço dela o que minhas paranoias quiserem.
Satisfeita com a minha constatação, acendo outro cigarro e me espreguiço mais uma vez no meu velho sofá.
2 comentários:
Totalmente louca, impossível, viajante, alucinante, vertiginoso, e com vírgulas!!!
Pqp!
Vc voltou com a corda toda!!!!
HAHA que bom que gostou meu grande tio!
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