Leonora
abre a bolsa em busca de um batom. Encontrou aquele vermelho que comprou no
Natal mas sua irmã disse descaradamente
que isso era de uma boa meretriz, assim,
na lata sem nenhum pingo de respeito e
depois disso nossa protagonista nunca quis mais usá-lo. Sendo assim ela busca
aquela rosa-sem-graça-de-sempre.
Leonora
está no banheiro do escritório, fim de expediente, observando o quanto pálida
está e não sabendo ao certo se aquele
batonzinho cairia bem agora. Mas quando abriu sua bolsa, percebeu que entraria numa
busca árdua já que estava tudo uma
bagunça. Enquanto cavava a gigante bolsa adentro em busca do minúsculo batom,
estava à deriva de pensamentos diversos. O pensamento maior era: Como podia ser
tão cuidadosa em absolutamente tudo e não conseguia manter aquele
minúsculo espaço, em que carregava praticamente sua vida, em plena organização?
Abre mais
uns bolsos, e começa a jogar as coisas em cima da pia molhada, xingando
mentalmente. Onde está o maldito? Na sua casa, por exemplo, quando nota que o
quadro na parede está minimamente fora da simetria perfeita em que ela o havia
colocado, já é o bastante para ela ficar ali gastando bons minutos ajeitando ,
olhando de longe, voltando e arrumando mais um pouco até encaixar-se no que ela
julga a posição exata.
Lembrou-se
do seu guarda roupa, organizado por cor e estação. Na casa de Leonora não
existe poeira, tão pouco sujeira e louça suja. Ela é a personificação verdadeira da perfeição. Mas independente de
quantas vezes ela arrume aquele monte de
bolsos ao fim de semana tudo estará na mais horrível zona.
Enquanto
ela coloca sua agenda dentro da pia por engano e já permite seus xingos extravasarem
os limites do pensamento, não entendendo
aonde foi parar o danado do batom, ela recorda do que seu marido disse no
jantar da noite passada para o cunhado entre risadas:
-Leonora é certinha demais.
No momento em que isso ocorreu ela sequer se incomodou com
as palavras, mas a noite quando se deitaram e ele virou-se de costas para dormir ela analisou duas
coisas: 1- seu casamento estava um fiasco e estavam já a quase sete meses sem
sequer se tocarem; 2-ser certinha era
motivo de piada para as pessoas.
Leonora não
usa decote, já que é uma mulher casada e não admite chamar atenção. Não atrasa,
não faz nada fora do que as etiquetas da postura permitem. Almoça
religiosamente ao meio dia, chega em casa as 18h e deixa o jantar servido as
20h. Mas do que adianta ser tão correta
se ela virava tema de risos para o seu
marido e família?
Desesperada
com esses pensamentos e revirando a bolsa ela vê que aquilo era sua realidade:
Aparentemente tudo correto, mas por dentro um caos. Aquela aparência pálida era
porque seu presente era a coisa mais
insossa existente.
Leonora
solta o coque perfeito no alto da cabeça e enquanto o cabelo acaju cai
displicente pelas costas ela caça o divino batom vermelho. O encontra fácil,
passa nos lábios cheio de ousadia enquanto murmura pra si:
-Quer
saber? Eu posso fazer o que eu quiser!
Abaixa um
pouco a blusa preta e deixa a mostra o decote que os quarenta anos sequer
haviam afetado. Determinada abre a porta
e sai em busca das bagunças e desarranjos da vida. Chega de horários e de
regras, essa noite era Leonora que ficaria a noite toda de costas para o
marido.
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