terça-feira, 28 de maio de 2013

Batom Vermelho

  Leonora abre a bolsa em busca de um batom. Encontrou aquele vermelho que comprou no Natal mas  sua irmã disse descaradamente que isso  era de uma boa meretriz, assim, na lata  sem nenhum pingo de respeito e depois disso nossa protagonista nunca quis mais usá-lo. Sendo assim ela busca aquela rosa-sem-graça-de-sempre.


  Leonora está no banheiro do escritório, fim de expediente, observando o quanto pálida está e não sabendo  ao certo se aquele batonzinho cairia bem agora. Mas quando abriu sua bolsa, percebeu que entraria numa busca árdua  já que estava tudo uma bagunça. Enquanto cavava a gigante bolsa adentro em busca do minúsculo batom, estava à deriva de pensamentos diversos. O pensamento maior era: Como  podia ser  tão cuidadosa em absolutamente tudo e não conseguia manter aquele minúsculo espaço, em que carregava praticamente sua vida, em plena organização?

  Abre mais uns bolsos, e começa a jogar as coisas em cima da pia molhada, xingando mentalmente. Onde está o maldito? Na sua casa, por exemplo, quando nota que o quadro na parede está minimamente fora da simetria perfeita em que ela o havia colocado, já é o bastante para ela ficar ali gastando bons minutos ajeitando , olhando de longe, voltando e arrumando mais um pouco até encaixar-se no que ela julga a posição exata.

  Lembrou-se do seu guarda roupa, organizado por cor e estação. Na casa de Leonora não existe poeira, tão pouco sujeira e louça suja. Ela é  a personificação  verdadeira da perfeição. Mas independente de quantas vezes ela arrume  aquele monte de bolsos ao fim de semana tudo estará na mais horrível zona.

  Enquanto ela coloca sua agenda dentro da pia por engano e já permite seus xingos extravasarem os limites do pensamento,  não entendendo aonde foi parar o danado do batom, ela recorda do que seu marido disse no jantar da noite passada para o cunhado entre risadas:
  -Leonora é certinha demais.

  No momento  em que isso ocorreu ela sequer se incomodou com as palavras, mas a noite quando se deitaram e ele virou-se  de costas para dormir ela analisou duas coisas: 1- seu casamento estava um fiasco e estavam já a quase sete meses sem sequer se tocarem; 2-ser certinha era motivo de piada para as pessoas.

  Leonora não usa decote, já que é uma mulher casada e não admite chamar atenção. Não atrasa, não faz nada fora do que as etiquetas da postura permitem. Almoça religiosamente ao meio dia, chega em casa as 18h e deixa o jantar servido as 20h.  Mas do que adianta ser tão correta se  ela virava tema de risos para o seu marido e família?

  Desesperada com esses pensamentos e revirando a bolsa ela vê que aquilo era sua realidade: Aparentemente tudo correto, mas por dentro um caos. Aquela aparência pálida era porque  seu presente era a coisa mais insossa existente.

  Leonora solta o coque perfeito no alto da cabeça e enquanto o cabelo acaju cai displicente pelas costas ela caça o divino batom vermelho. O encontra fácil, passa nos lábios cheio de ousadia enquanto murmura pra si:

  -Quer saber? Eu posso fazer o que eu quiser!

  Abaixa um pouco a blusa preta e deixa a mostra o decote que os quarenta anos sequer haviam afetado.  Determinada abre a porta e sai em busca das bagunças e desarranjos da vida. Chega de horários e de regras, essa noite era Leonora que ficaria a noite toda de costas para o marido.



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